Bulova x Bulova: Quando o Princípio da Especialidade É Suficiente para Proteger o Consumidor?
Uma decisão recente da 25ª Vara Federal do Rio de Janeiro reacendeu o debate sobre os limites do princípio da especialidade na convivência de marcas semelhantes no mercado. De um lado, a Citizen, multinacional japonesa reconhecida globalmente por seus relógios e joias. Do outro, a brasileira Bulova Collection Design de Interiores, atuante no setor de móveis e decoração. O ponto de tensão? A marca “Bulova Collection”, registrada no INPI pela empresa nacional.
A Citizen alegou que a marca “Bulova Collection” violava direitos sobre sua marca notoriamente conhecida “Bulova”, configurando risco de associação indevida, mesmo que os setores de atuação fossem distintos. Argumentou ainda a anterioridade de seus registros e a diluição da distintividade da marca.
A empresa brasileira, por sua vez, amparou-se no princípio da especialidade, segundo o qual marcas idênticas ou semelhantes podem coexistir legalmente quando direcionadas a segmentos de mercado não concorrentes. Essa tese foi acolhida pelo juiz Eduardo André Brandão de Brito Fernandes, que rejeitou o pedido da Citizen e manteve válidos os registros da marca brasileira no INPI.
Segundo a decisão, não há sobreposição mercadológica entre as partes. Os segmentos de atuação, canais de distribuição, públicos-alvo e até o grau de atenção dos consumidores são completamente diferentes, o que afastaria qualquer risco de confusão.
No entanto, embora a sentença esteja tecnicamente alinhada com os fundamentos da Lei da Propriedade Industrial (Lei 9.279/96), ela suscita uma indagação relevante:
- Mesmo sem confusão, não haveria risco de associação indevida?
- Nesse contexto, o caso nos leva a refletir sobre os limites do princípio da especialidade. Será que o critério de separação por segmento ainda é suficiente diante de marcas fortemente reconhecidas e com grande poder de extensão para outras categorias de produtos?
À medida que marcas se tornam globais e multissetoriais, talvez seja hora de repensar o equilíbrio entre o direito de coexistência de nomes semelhantes e o dever de proteção contra associações indevidas — mesmo fora do risco clássico de confusão.
Fonte: Consultor Jurídico