Cybersquatting e o limite do “first come, first served” na era digital
Decisão do TJSP sobre o domínio Starlink.com.br reacende debate sobre ética, concorrência e propriedade intelectual
O recente julgamento do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) no caso SpaceX vs. Starlink.com.br trouxe à tona uma questão crucial na economia digital: até onde vai o princípio do “first come, first served” no registro de nomes de domínio — e quando ele cede espaço à boa-fé e à proteção da marca?
O caso envolveu o domínio Starlink.com.br, registrado em 2016 por uma empresa brasileira, dois anos antes de a SpaceX depositar a marca “Starlink” no INPI. A Resolução nº 008/2008 do Comitê Gestor da Internet (CGI.br) estabelece que o domínio pertence a quem primeiro o solicita e tudo indicava que o nome de domínio era legítimo.
Mas o cenário mudou quando se apurou que o registro havia ocorrido após o lançamento internacional do projeto Starlink, e que a empresa brasileira atuava no mesmo ramo de telecomunicações. Além disso, o domínio ficou inativo por anos e foi posteriormente oferecido à SpaceX por R$ 50 milhões — elementos que o Tribunal considerou suficientes para configurar má-fé e caracterizar cybersquatting, prática em que se busca explorar indevidamente a reputação de terceiros.
O que o TJSP decidiu
A 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial reformou a decisão de 1º grau, restabelecendo a determinação administrativa do NIC.br, que havia mandado transferir o domínio à SpaceX. O Tribunal entendeu que o princípio do first come, first served não protege condutas oportunistas e que o uso de domínios deve ser compatível com a boa-fé objetiva e a lealdade concorrencial.
Por outro lado, a Corte afastou o pedido de indenização por concorrência desleal, por falta de prova de dano concreto.
Jurisprudência consolidada
O entendimento segue a linha do Superior Tribunal de Justiça (STJ), segundo a qual o first come, first served não é absoluto. O registro de um domínio pode ser contestado quando houver má-fé, caracterizada por tentativa de aproveitamento parasitário, confusão intencional ou enriquecimento sem causa.
Nos precedentes REsp 658.789/RS e REsp 1.804.035/DF, o STJ já havia estabelecido que o titular de marca ou nome empresarial pode contestar o domínio conflitante se demonstrar conduta antiética do registrante.
Em conclusão
O caso Starlink.com.br simboliza o novo contorno da concorrência online. Em um ambiente onde marcas, patentes e domínios formam um ecossistema único de valor, o gestor de ativos imateriais precisa adotar estratégias preventivas — registrando marcas e domínios correlatos em múltiplas jurisdições para evitar disputas custosas.
A decisão reafirma que o domínio não é apenas um endereço na internet, mas um ativo intangível — extensão da marca, parte do patrimônio imaterial da empresa e elemento essencial de reputação e identificação comercial.
Fonte: JOTA












