Gradiente: muito além do “iPhone brasileiro”, um símbolo da indústria nacional
A disputa judicial entre a Gradiente e a Apple pelo uso da marca “iPhone” no Brasil pode ter terminado em 2023, mas o caso ficou marcado como um lembrete da força — e da fragilidade — da indústria brasileira de tecnologia. Mais do que uma batalha de nomes, foi um confronto entre uma marca que um dia simbolizou inovação nacional e uma gigante global.
Um império da era analógica
Fundada nos anos 1960, a Gradiente foi uma das protagonistas da chamada “era de ouro” da eletrônica brasileira. Nos anos 70 e 80, dominou o mercado com aparelhos de som, televisores, videocassetes e parcerias estratégicas. Aproveitando o cenário de reserva de mercado e os incentivos da Zona Franca de Manaus, consolidou-se como uma das marcas mais reconhecidas do país.
A aquisição de marcas concorrentes, como Polyvox e Telefunken, e a expansão para mercados internacionais mostraram a ousadia de uma empresa que parecia não ter limites. A Gradiente era, à época, sinônimo de tecnologia de ponta no Brasil.
Crise, reinvenção e disputa de marca
Com a abertura econômica e a entrada massiva de produtos estrangeiros nos anos 1990, a Gradiente enfrentou dificuldades. Apesar de tentativas de reinvenção — incluindo uma ousada entrada no mercado de games com a Nintendo e, mais tarde, no de celulares — a empresa não resistiu à concorrência global e à própria instabilidade interna.
Foi nesse contexto que surgiu o episódio que a colocou no radar internacional: a disputa pelo nome “iPhone”. A Gradiente registrou a marca no INPI em 2000, muito antes da Apple lançar o iPhone nos Estados Unidos. No entanto, o uso comercial só veio anos depois, abrindo espaço para uma disputa que se arrastou até o STF. Em 2023, a Corte decidiu contra a Gradiente, encerrando oficialmente o impasse.
Mais do que a perda de uma marca, a decisão foi simbólica: mostrou os limites da proteção marcária sem uso efetivo e constante — e a importância estratégica de uma gestão ativa de portfólio de marcas.
A marca sobrevive
Apesar de ter encerrado sua recuperação judicial, a Gradiente não desapareceu. Ao contrário: reinventou seu modelo de negócios. Investiu no setor de energia solar, alugou seus galpões industriais na Zona Franca e licenciou sua marca para a produção de eletroportáteis, gerando receita via royalties.
Hoje, a Gradiente sobrevive como marca — não mais como fabricante — e busca reposicionar-se em um novo mercado. Um exemplo do seu potencial de reinvenção a partir da própria identidade da marca e do papel das marcas como ativos intangíveis valiosos no reposicionamento estratégico.
A Gradiente pode ter perdido a batalha do nome “iPhone”, mas segue viva — como memória, como aprendizado e como ativo. Um lembrete de que marcas bem construídas resistem, mesmo quando tudo ao redor muda.
Fonte:
Exame